terça-feira, 28 de novembro de 2017

Branco tentador e amável

O papel
Um punhado de branco quer a loucura
Indiscreto
Âncora com asas e relógio
Minhas mãos mentem
para ser eu palavra liberta e calma
Ou então me atira ao pesadelo dourado de quase me reconhecer
Atalho, prisão
Vazio pleno, emoldurando ilusão entediada por excessos
Os meus gestos são incessantes perguntas silenciosas
Escrevendo o que não posso tocar
Me dirás branco tentador e amável, o que lhe entregar ?
O mundo
o pingo d'água da torneira junto ao relógio a cantarolarem sonhos que não dormem ?
A saudade?
Sempre ela
que corre por dentro, ninguém a alcança , se a ela não se entregar
Sei, é constante estampar em ti todo lamento,

não lhe dou a doçura que sinto em minha boca quando em teu branco de imenso desejo , venho me deixar

6 comentários:

  1. Manuel Bandeira - Água-forte

    O preto no branco,
    O pente na pele:
    Pássaro espalmado
    No céu quase branco.

    Em meio do pente,
    A concha bivalve
    Num mar de escarlata.
    Concha, rosa ou tâmara?

    No escuro recesso,
    As fontes da vida
    A sangrar inuteis
    Por duas feridas.

    Tudo bem oculto
    Sob as aparências
    Da água-forte simples:
    De face, de flanco,
    O preto no branco.


    Emily Dickinson - This Was In The White Of The Year

    This was in the White of the Year—
    That—was in the Green—
    Drifts were as difficult then to think
    As Daisies now to be seen—

    Looking back is best that is left
    Or if it be—before—
    Retrospection is Prospect's half,
    Sometimes, almost more.


    Mario Benedetti - Página en blanco

    Bajé al mercado
    y traje
    tomates diarios aguaceros
    endivias y envidias
    gambas grupas y amenes
    harina monosílabos jerez
    instantáneas estornudos arroz
    alcachofas y gritos
    rarísimos silencios

    página en blanco
    aquí te dejo todo
    haz lo que quieras
    espabílate
    o por lo menos organízate

    yo me echaré una siesta
    ojalá me despiertes
    con algo original
    y sugestivo
    para que yo lo firme



    um abraço

    ResponderExcluir
  2. Muito perigoso esse ato de escrever. Dá quase a entender que o inferno e a escuridão são na verdade brancas. Mais fidedigno que qualquer espelho, uma folha nova é ainda um abismo convidativo. E o papel pode guardar nossa história depois do amarelar, acumulando rasgos e amassados, só pra refletir nossa alma com ainda mais exatidão.

    Você tem versos muito contundentes. "Minhas mãos mentem/para ser eu palavra liberta e calma" é lindo demais.

    ResponderExcluir
  3. Obrigada Thales. Muito verdadeiro e bonito o que escreveu.
    Sinto que morro e renasço em cada palavra que escrevo. Um abraço.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom, Milene!

    Fez-me lembrar uma frase de um filmechamado "Paterson", se ainda não viu, muito recomendo: ""Às vezes uma página em branco apresenta maiores possibilidades"

    Passar bem.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Vitor, saudades de você por aqui. Vou procurar pelo filme. Obrigada . Um abraço

      Obs: Seu blogue é um dos melhores pra mim :)

      Excluir